– Por Ivone Juscelina de Almeida
A abordagem do relacionamento entre consumidores (alunos) e prestadores de serviço (escolas, faculdades e universidades privadas) em relação aos impactos econômicos que a pandemia COVID traz aos contratos celebrados entre as partes requer algumas considerações:
O contrato sob aspectos jurídicos:
O assunto exige um entendimento sobre o conceito de contrato – que são negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais no qual os contratantes, balizados pelo princípio da boa fé e da dignidade da pessoa humana, buscam criar, modificar, extinguir relações dinâmicas de cunho patrimonial a partir da conjugação da vontade de ambos.
Portanto os contratos possuem um caráter dinâmico, ou seja, são fontes do direito obrigacional que se movimentam, se transformam no tempo e no espaço em conformidade com necessidades e interesses. Deve haver cooperação entre as partes e a busca e esforço por sua continuidade e plena execução, atingindo os objetivos propostos pelas partes.
É fato que a lei garante que aqueles que contratarem de acordo com o ordenamento terão seus direitos assegurados, mas precisamos entender alguns conceitos (os “institutos” legais):
Lesão: é o defeitos dos nossos dias – defeito que dialoga mais de perto com o abuso de poder econômico. Vicio do consentimento caracterizado pelo prejuízo resultante da enorme desproporção entre as prestações de um contrato, no momento de sua celebração (nascimento) determinado pela premente necessidade ou inexperiência de uma das partes.
Estado de perigo: causa de invalidade configura-se quando o agente diante de uma situação grave de perigo conhecido pela outra parte assume uma obrigação excessivamente onerosa (coação)
Teoria da Imprevisão: Art. 317 CC. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Percebemos que nenhum dos institutos previstos na legislação brasileira podem ser aplicados neste momento de pandemia.
Por outro lado, a realidade enfrentada pelas dificuldades econômicas que estão levando a uma demanda, principalmente por parte do aluno (contratante), que vem sentindo
mais imediatamente essas dificuldades – perda de emprego, redução de salários e jornadas, incerteza quanto a continuidade de recursos, etc, também traz para as instituições (contratada) os mesmos impactos – perda de receita pela inadimplência, aumento de custos com a adaptação para o processo de aulas online em substituição às aulas presenciais, aumento de custos com a retomada – mais espaço entre alunos, custos maiores com cuidados de higienização, etc. A lista de problemas para ambos é imensa.
O contratante sente mais diretamente o impacto, e leva a tomar decisão imediata – inadimplir, interromper o curso, etc., ao passo que a contratada, por ser um negocio, tem mecanismos de proteção (caixa, recursos de terceiros, empréstimos, recursos de acionistas, fundos de emergência setoriais, etc), pois o principio de continuidade e perpetuação do negócio deve ser buscado por elas, e com mais acessos a recursos, as empresas conseguem se organizar.
Ocorre que o próprio órgão regulador do ensino – O MEC, ainda tem incertezas acerca do direcionamento, e ainda não temos um cenário de “retorno à normalidade”, ainda que com adequações.
A frase “nada será como antes” é muito oportuna nesse momento.
Você como jornalista, deve ter visto a matéria de 30/06/2020 do Valor Econômico, em sua página B6 – “Taxa de inadimplência no ensino superior deve ser recorde em 2020” – nela há um cenário não apenas de escolas superiores das grandes faculdades, mas também sobre as de médio e pequeno porte. Todos estão sendo afetados, mas sobretudo, as pequenas escolas infantis, cursos preparatórios, etc, que não tem as facilidades creditícias dos grandes grupos, como mencionei. A inadimplência prevista para 2020, até o momento, é de 11,3%, contra 9,5% de 2019. Os números podem mudar, mas, como percebe, ainda não estão descolados do histórico. Haverá um termo de ajuste.
Não haverá uma solução pronta e imediata para a questão.
O recomendável neste momento é, por parte do aluno, tornar ciente à escola, notificando-a de suas dificuldades, para que não seja caracterizado uma quebra contratual, e que possa buscar uma negociação futura.
As escolas irão, com certeza, adequando-se à nova realidade, adequar seus contratos, negociar débitos, e procurar um novo balizador de preços e custos para prosseguirem. Isto está sendo certamente objeto de profunda análise, pois envolve a sobrevivência do negócio.
O caminho da judicialização certamente não será adequado neste momento, pois além de oneroso, demandará tempo e causa frustração na parte mais afetada – o aluno.
O instrumento da mediação será o caminho a ser seguido. As escolas irão buscá-lo pois terão uma “enxurrada” de processos de inadimplência.
O governo, através da Secretaria de Defesa do Consumidor já está incentivando esse caminho.
Legislações vem sendo elaboradas para atacar este problema do desequilíbrio da economia, e a mediação e negociação serão caminhos escolhidos.
Então podemos concluímos que nossa legislação esta fragilizada diante do objeto “Contratos”, devendo buscar auxílio nos meios adequados de resolução de conflitos, ou
seja, negociação, mediação e conciliação. Somente através do diálogo entre posição e interesses das partes iremos avançar na resolução deste tipo de conflito.
É incontroverso que a pandemia terá efeitos em todos os segmentos, nos contratos escolares não será diferente, ainda que considerado como atividade essencial à população.
A aplicação da lei por si só, neste momento, não possibilitará ao juiz proferir uma solução justa, ainda mais diante de um cenário que nunca antes vislumbrado, especialmente porque na lei que orienta a aplicação do Direito no Brasil é previsto que as decisões judiciais devem ser tomadas levando-se em conta os efeitos que elas terão para a sociedade. Por isso a palavra de ordem para esta fase é a MEDIAÇÃO e NEGOCIAÇÃO.
A negociação prévia deve ser avaliada como melhor estratégia jurídica a ser seguida pelos contratantes buscando recompor o equilíbrio contratual levando-se em conta a eficiência e a rapidez na resolução de conflitos sendo conferida total segurança jurídica às partes. Confere às partes maior controle do processo e redução dos custos.
Em tempos nos quais a sociedade se une contra um inimigo invisível, usar o diálogo e empatia é essencial.
Onde encontrar a Mediação?
Os tribunais de justiça certificam e credenciam centros de mediação privados para atuarem nos conflitos entre partes e firmarem acordos (títulos executivos judiciais) entre partes conflitantes, que chancelam e celebram acordos com o efeito de decisão judicial. Os sites dos tribunais indicam os centros credenciados.
Vale a pena buscar este caminho. Fica a dica.